Problema
Baixo salário é apontado como a causa do déficit de médicos em Pelotas
Atualmente faltam 21 profissionais da saúde para atender as 53 UBSs; na zona rural, o atendimento ocorre uma vez por semana
Volmer Perez -
O desafio da Secretaria de Saúde de Pelotas em manter um atendimento digno da Atenção Básica diante de um déficit de 21% no quadro de médicos e ainda trabalhar com escalas de férias e licenças, tem deixado muitos pacientes impacientes. A espera de dois a três meses para uma consulta com o clínico geral é considerada muito tempo para a administração que busca solucionar questões como a falta de interesse no preenchimento de vagas para médicos plantonistas em edital de contratação permanentemente aberto. Por outro lado, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul aponta os baixos salários oferecidos como a causa da falta de interesse.
Já a secretária de Saúde, Roberta Paganini, não indica só um motivo para a dificuldade em preencher as vagas para médicos na rede pública de saúde, mas concorda que a questão salarial pesa muito. "Aqui um profissional que trabalha na UPA ou no Pronto-Socorro recebe cerca de R$ 110,00 a hora trabalhada, enquanto aquele que atende na rede privada, por exemplo, pode ganhar mais. Então, precisamos lidar com uma série de ofertas com remunerações melhores." Já na rede de Atenção Primária, o Município paga R$ 80,00 a hora trabalhada. O ideal é que o profissional faça oito horas por dia, com carga semanal de 40 horas, mas depende da disponibilidade. Em geral, os médicos que chegam à rede pública são clínicos gerais ou com especialização em Saúde da Família e Comunitária, sendo este o ideal. "Para atuar nas UBSs de Estratégia de Saúde da Família, por exemplo, a preferência é que fossem profissionais com essa formação, mas em geral recebemos médicos generalistas".
Outros fatores apontados pela secretária são as condições de trabalho, a alta demanda, e, às vezes, até a estrutura física, a localização do trabalho e o deslocamento, que fazem com que o profissional não escolha atender no sistema público. A mudança do programa Mais Médicos para o Médicos pelo Brasil fez o Ministério da Saúde reavaliar a quantidade de profissionais enviados para os municípios, reduzindo a cota de 40 para 17 em Pelotas. Para contornar a situação e não deixar que nenhuma Unidade Básica de Saúde (UBS) fique sem um médico por dia, a SMS tem comprometido as equipes das unidades que atuam na Atenção Primária e na Estratégia de Saúde da Família, que no papel são 100 grupos para atender os 53 postos, possibilitando que em alguns tenha mais de uma turma. Como na prática 21 estão incompletas, a matemática não fecha e no cálculo para atender a demanda, 23 UBSs têm atendimento parcial (um profissional atende em mais de uma unidade por semana). Roberta considerou ainda a demanda crescente de pacientes do SUS.
Também há as situações em que as UBSs contam com médicos só uma vez por semana, como na zona rural. Em Cerrito Alegre, a comunidade do 3º distrito está mobilizada. O médico vai somente na segunda-feira e, conforme relatos de pacientes, o atendimento deixa a desejar. Eles formaram um grupo de WhatsApp para debater a situação e cobram a presença do profissional mais vezes na semana. "Assim, não precisaremos escolher o dia para ficar doente", disse uma moradora, ao falar em nome do grupo. Pelo levantamento do Conselho Municipal da Saúde, situações semelhantes ocorrem em Monte Bonito, Colônia Osório e Corrientes. Para solucionar essa questão, a SMS, desde o mês de agosto, iniciou a oferta de um novo serviço híbrido de cuidados médicos, direcionado aos moradores da zona rural, localidades em que o município tem encontrado mais dificuldade de encaminhar profissionais. Nesse sistema, a pessoa é atendida na UBS de referência, realiza a anamnese, exame físico e classificação de risco e, após, é encaminhada para consulta médica, realizada de forma online, por videochamada, dentro da própria unidade de saúde.
"A questão é que o déficit não permite o pleno funcionamento do acolhimento", avaliou o presidente do Conselho de Saúde de Pelotas, César Lima. Nesse novo modelo de atendimento na Atenção Básica, para o conselheiro, a fila de espera só saiu da rua para dentro da sala de espera, gerando desgaste do usuário que vai às unidades e não encontra o que está preconizado na Constituição. "Por mais que as equipes da Secretaria de Saúde se desdobram para que seja cumprida a lei maior, e em muitas ações o município já avançou, esbarra em uma dificuldade que parece não ter solução, a falta de médico." Na manhã desta quarta-feira (14), na UBS da Guabiroba, o movimento reduzido poderia indicar baixa demanda. Mas os comentários de quem estava no local dão conta que como o médico entrou em férias, muitos pacientes acreditam que não há profissional no posto e, portanto, nem comparecem. Embora a unidade não tenha ficado desguarnecida, em função do remanejo de outro profissional, quem busca atendimento reclama da demora.
"Há poucos dias não tinha médico aqui e, para consultar, tem que adivinhar o dia que terá um profissional, e mais, escolher a data para ficar doente", disse o aposentado de 67 anos que preferiu não se identificar. Ele esperou dois meses para ser atendido e estava na fila para retirar medicamentos. Sobre a demora da consulta, a secretária Roberta explica que o acolhimento é exatamente para saber se o caso é urgente ou pode ser agendado. "Claro que a espera é muito longa, mas se nesse tempo, o paciente não estiver bem, deve retornar à unidade para nova avaliação", explicou ela durante audiência no Legislativo. "Sabemos que a demanda na Guabiroba é grande e que um médico não é suficiente", admitiu.
O que diz o Simers
A diretoria regional do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), em Pelotas, considera a falta de médicos preocupante e, constantemente, oficia e, até mesmo, reúne-se com a Secretaria de Saúde para abordar sobre os baixos valores praticados pelo município e o afugentamento de profissionais. Por nota, o Sindicato explica que os valores praticados confrontam, por exemplo, com a Lei do Médico (3.999/61), que impõe piso de três salários mínimos nacionais para a contratação de médico. Há registros em editais anteriores onde foi oferecido menos que o piso, com salário-base de R$ 2,5 mil para contratação de estatutário, diz o Simers.
Conforme a entidade, o edital que consta em aberto remunera o profissional em R$ 80,00 a hora trabalhada. "Para uma jornada semanal de até 20h, por exemplo, o valor a ser pago deveria ser, no mínimo, R$ 3.636,00. Além disso, não existe um Plano de Carreira adequado. Em clínicas particulares ou populares, médicos são remunerados, em média, R$ 100,00 por hora, muitos valores já quitados ao fim do expediente", informou o Sindicato.
Confira as UBSs com atendimento parcial
Balsa, Bom Jesus, Cerrito Alegre, Cohab Fragata, Colônia Maciel, Colônia Osório, Corrientes, Cordeiro de Farias, Cruzeiro, Fraget, Grupelli, Jardim de Allah, Monte Bonito, Navegantes, Pam Fragata, Pedreiras, Salgado Filho, Santa Silvana, Simões Lopes, Sítio Floresta, Lindóia, Vila Nova e Virgílio Costa.
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